quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Gente estúpida, gente hipócrita

Há um pouco mais de um ano, entrevistei o grupo AfroReggae, que na época lançava o DVD “Nenhum Motivo Explica a Guerra”. Junto com um show, o disco trazia um documentário, dirigido por Cacá Diegues, no qual os integrantes contavam como a arte mudou suas vidas, marcadas desde o início pela violência e o tráfico de drogas em favelas cariocas.

Perguntei a eles se acreditavam na diminuição da violência enquanto o crime fosse sustentado pelo comércio das drogas, compradas, sobretudo, pelas classes média e alta. A resposta de um dos componentes do grupo, Altair, foi a seguinte: “Não. É claro que sempre existe uma distância entre o que se fala e faz, mas tentamos encurtá-la. Não usamos drogas nem bebidas alcoólicas, já fizemos uma campanha contra o tabagismo e não aceitamos participar de um festival porque era patrocinado por uma empresa de cigarros. Queremos dar o exemplo.”

Concordo plenamente com Altair. Mas quero falar neste texto sobre algo que extrapola a minha opinião e a sua sobre o tema. É a coerência presente no discurso dele. Uma palavra que serve de antônimo para outra muito importante, hipocrisia.

Feita a introdução do assunto, vamos a ele. A Operação Navalha, da Polícia Federal, prendeu esta semana uma quadrilha acusada de vender drogas em áreas nobres do Rio de Janeiro. São os chamados traficantes do asfalto. Segundo o “Globo Online”, o bando tinha cerca de 19 clientes, entre eles atores, jogadores de futebol e jornalistas, “cujos nomes não foram revelados”.

Antes de mais nada, peraí. Cadê a lista dos nomes? Como assim “não foram revelados”? A PF não teve acesso ao tal “disque-drogas” usado pelos suspeitos? Será que as escutas não chegaram até a imprensa? Mas quando os acusados são políticos não tem chamada no “Jornal Nacional”? O nome do Zé da Silva, preso na favela, não sai na primeira página de “O Globo”? Vixe, tô falando de hipocrisia antes da hora...

De qualquer forma, o cerne da questão não está nos bois, e sim na boiada. Mais uma vez, a elite brasileira estampa os noticiários policiais, duplamente acusada: ela vende e compra drogas.

Não acho que a legalização seja o caminho para a redução da violência. Seria tentar corrigir um erro criando outro maior. Mas, repito, não vou me prender a minha opinião. Vou aos fatos.

É fato que não haverá redução da violência enquanto os traficantes tiverem armas que, em outros países, são usadas em guerras. As mesmas armas que roubam, seqüestram e matam, no morro e no asfalto. Que são compradas com o dinheiro do tráfico, alimentado, em grande parte, pelas classes média e alta. Então, quem compra consente. E financia.

O problema é que esses bacaninhas que compram drogas são os mesmos que moram cercados por câmeras de vigilância e seguranças armados, achando que estão protegidos de uma realidade que eles mesmos ajudam a construir, mas que lhes parece alheia. São reis dentro de suas fortalezas de luxo, onde, inclusive, usam drogas, como foi noticiado recentemente.

Com toda a cara-de-pau do mundo, esse pessoal vai à televisão participar de campanhas pela paz. Como se não fosse com eles, pedem o desarmamento e querem sua doação para o Criança Esperança. São campanhas lindas, tão comoventes quanto insistentes. Muitas vezes, te vencem pelo cansaço.

Mas, por uma dessas ironias do destino, há uma unidade do Criança Esperança no Morro do Cantagalo, em Ipanema; é uma favela encruada numa das áreas mais valorizadas do Brasil. Quantos conhecem o trabalho que é feito no local? Quem sabe por que, de fato, aquelas crianças estão ali? Será que já se deram conta de que aquele espaço somente existe porque o tráfico é uma ameaça para os menores?

É impossível não lembrar do Capitão Nascimento, em “Tropa de Elite”, perguntando quantas crianças mais serão perdidas para o tráfico só para o playboy fumar um baseado. Mas não tem problema, basta ter “consciência social”...

Não quero ser moralista, só não consigo fechar os olhos diante da hipocrisia (agora, sim...) reinante. Até Marcelo D2, usuário declarado de maconha, pede paz, ao encerrar o show que deu origem ao CD/DVD “Acústico MTV”. Mas ele tem um diferencial positivo: é autêntico. A forma escancarada de falar das drogas é questionável, assim como a credibilidade de pacifista, mas D2 nunca escondeu o que pensa e quem é. Postura muito mais coerente que a da grande maioria dos colegas de meio artístico, que se esconde sob a máscara do bom moço ou da boa moça.

E a lista, hein? Será que ela sai? Vamos esperar que algum veículo minimamente imparcial venha a público divulgá-la. Mas não sei, não... Por via das dúvidas, sugiro que você fique desconfiado. Ao ver um artista na TV pedindo seja lá o que for em nome de um mundo melhor, pense duas vezes antes de levá-lo a sério.

Lembrei-me novamente do AfroReggae. Eles estão certos, nenhum motivo explica a guerra. Mas também não são todos que justificam a paz.


A trilha sonora deste post é “Rio de Janeiro a Dezembro”, da Banda Catedral, e “Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero)”, do Rappa.

Um comentário:

Caly disse...

Noossa encontrei alguém que pensa como eu! Mas ainda assim encontro ceertos pontos divergentes. Marcelo D2 é o maior dos hipócritas, que fala de paz nas músicas e financia a violência. E essa música no fim do post.. Nossa "O Rappa"?? Diz por favor que vc quis ser sarcastico.. Esses são outros que pregam mil ideais, e não passam de outros hipócritas, fora isso.. Amei o post! Passa no meu blog.. de vez em quando, posto algo (www.laddylola.blogspot.com)